Contos do vigário

- O senhor me deixe ir aqui, que isso é promessa!
- É perigoso, dona Astrogilda e a procissão é longa.
- Em nome de Jesus, me deixe aqui, pe Manuel, a Santa mesma há de me proteger.
E lá se foi ela, do alto dos seus 83 anos, ainda mais alquebrada pelo tempo e hoje pela posição assumida embaixo do andor de Santa Bárbara.
O Pelourinho era uma língua de fogo, que saída Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos ruborizava o Pelourinho de devoção e piedade:
“Santa Bárbara, luz divina, filha da Virgem Maria....”
O Terreiro de Jesus fez-se palco de luxúria e sedução: em cima dos saltos, sob as maquilagens e transbordando sensualidade os tavestis chegam para reverenciar a Santa. Uma piscada aqui, uma cantada acolá e viva Santa Bárbara!...
“Os devotos de Santa Bárbara, no mundo têm grande alegria”.
Descendo a Ladeira da praça o acará corria de mão em mão, trazidos por uma obreira, que pagava promessa feita pela irmã de sangue, levada por um gringo para Milão, onde abriu o seu negócio.
- Ta presa, a coitadinha, mas foi pura covardia o que fizeram com ela; a menina nunca nem fumou. Explicava, com a fotografia emoldurada da irmã num braço e a Bíblia Sagrada e a Folha Universal no outro.
Na porta do quartel do Corpo de bombeiros, saraivada de fogos e uma batalha única: os militares tentam em vão retirar o andor das mãos do povo.
- Ela é padroeira dos bombeiros e nós sempre entramos com ela no quartel. Explica um dos homens do fogo, com o uniforme vermelho de gala.
- Eu não saio daqui nem morta! Gritava dona Astrogilda pro capitão, que finalmente se rende e deixa que o próprio povo adentre o quartel com a Santa nos braços.
O soar das sirenes é abafado pelo ylá dos orixás que respondem.
- EPARREIIIIIIII!!!!!!!! Grita o povo em êxtase e centena de Yaôs, médiuns, e iniciados entram em transe, felizes quando Iansã toma conta dos seus corpos.
- Reiiiiiiiiii !!! É o ylá mais ouvido, anunciando a presença do orixá dos raios e trovões, manifestado em seus filhos e filhas.
Chapado no crack, um menino de rua, fugiu com as sandálias vermelhas de dona Astrogilda, também incorporada, bailando agora soberana no pátio do quartel.
- Agô, minha mãe, pediu licença o sargento, Ogã confirmado de Pomba gira, enquanto ajudava a tirar os coturnos do capitão, também em transe e já adornado com um laço vermelho na cabeça, feito com o pano da costa de uma gringa que trazia seu rasta a tira-colo.
- Cadê as Equedis???
- Tão na sede da Associação das prostitutas, ajudando a cortar os quiabos. Respondeu Cida, a velha presidente, eterna responsável pelo caruru.
Na boca da madrugada comadre Mariá, samadadeira de Itapuã, pediu licença à roda e levou pelo braço pe Manuel, de quem era sogra, graças ao seu filho caçula, o presbítero Jorginho de Logun.
- Esse caravinho é forte com quê, seu vigário, mas lá em casa eu faço um chazinho de alumã e isso passa. Segura minha rosa vermelha que Santa Bárbara mesma há de acompanhar a gente até em casa. Afinal de contas, a festa é dela.
A Senhora dos raios incendiou novamente a cidade onde todo mundo é de Oxum, salvo no dia 04 de dezembro.
Eparrei Loiyá!

9 comentários:

Anônimo disse...

Já tô é indo pra procissão da mulher.
Viva Santa Bárbara!

Ane Brasil disse...

Eparrei, Iansã!

Ah, padre... vontade de me picar correndo de Porto Alegre e me picar pra procissão da santa!
A MINHA mãe é a cara de Salvador!
Sorte e aúde pra todos!

valtertonha disse...

Êta vermelho!

Salve, salve!

Eparrei!

Si disse...

Esse conto me fez lembrar "O Pagador de Promessas" e toda aquela confusão na porta da Igreja.

Salve Santa Bárbara (ou Iansã)! E viva a diversidade.

Paulo Bono disse...

é dia de caruru!

abraço, seu padre

Esquadros disse...

Seu Padre...

fique sabendo sua pessoa que amei sua historia, muito engraçada mesmo, e ri como oquê, me lembrando dos bons tempos que lia meu Amado, Jorge...
hehehehehehehe (escrito com sotaque baiano)

Fique com Deus viu

Priu

MM disse...

os devotos de santa barbara no mundo tem grande alegria

Muito lindo!

Jota disse...

Sou devoto não, mas o dia também é meu e eu vou de vermelho!

Qualquer dia desses, de volta a Salvador...

Anônimo disse...

Parabéns Pe Alfredo!
Que texto lindo!
Que Santa Bárbara, Iansã nos proteja!
Axé